domingo, 28 de novembro de 2010

A passagem para o Senegal

11 de Outubro de 2010

Acordamos por volta das oito da manhã. O dia anterior tinha sido tão pesado, tão negativo, que pior seria mesmo impossível.

Arrancamos do Hotel em Rosso uma hora depois e começamos a perguntar onde estaria a entrada para a estrada que liga a N2 à barragem de Diama. Logo percebemos que, como o tempo, a distância é algo que as pessoas não dominam muito bem em África. Em cinco paragens, obtivemos as seguintes distâncias: 12, 20, 30,45 e 53km. Para quem se estava a aproximar do acesso ao caminho de terra batida, o aumento significativo de quilómetros, descrito pelos locais, começava a preocupar.

De repente, vimos uma entrada mais larga. Perguntamos a um homem que pedia boleia e seguimos com a certeza de que estávamos no trilho certo. Outra dúvida que tinha ficado era a da distância até à Barragem que serve a fronteira entre a Mauritânia e o Senegal. Fossem 50 ou 100km, para trás já não voltávamos.

Andamos cerca de 5km e passamos uma lomba em terra quando percebemos que estávamos no caminho errado. Este erro foi solucionado por um homem que seguia numa carroça puxada por um burrito. Atrás da carroça seguia um outro burro, como que a fazer de suplente para o que ia a puxar. 



O homem acenou de longe e disse-nos: 'vocês não querem ir por aí'. Alguns instantes depois percebemos que ele sabia que queríamos seguir para Diama e disse: 'têm de seguir até Dieuk', uma pequena aldeia no meio do deserto enlameado. Explicou-nos que Dieuk é um dique e indicou-nos o caminho até lá. Seguimos no topo deste dique, com água, muita água, dos dois lados.



Não vimos um único carro para seguir e as marcas de pneus eram tão confusas que só podíamos mesmo confiar no instinto e na sorte para não nos perdermos. O GPS estava mais perdido do que nós.

A paisagem é deslumbrante: cegonhas, lagartos gigantes, macacos, raposas e um mundo animal que nem tínhamos coragem de tentar adivinhar os nomes.

Passámos por carros que pareciam abandonados, talvez por terem avariado. Construções destruídas pela força das águas e o caminho... completamente esburacado! Não dava para passar dos 30km/h.



Duas horas depois da saída do Hotel, contávamos 45 km no conta-quilómetros. Na imagem do GPS, parecia que metade da distância estava percorrida, mas com um caminho que até a um jipe traria dificuldades, o tempo que faltaria até ao Senegal era ainda uma incógnita.

A falta de segurança da Mauritânia, aquela que toda gente se queixa, tem sido substituída pela simpatia de pescadores, lenhadores e pessoas que passam por nós de bicicleta. Bem...ultrapassam será o termo mais correcto.



Mesmo neste pedaço de terra alagado existem as mesmas barreiras de segurança onde vamos mostrando os documentos, passaportes na maior parte das vezes.

Numa dessas passagens surge mais uma situação que poderia ter gerado confusão. A passar pelo Parque Natural de Dwaling, surgem dois militares que exigem 3000 Ogya por cada um de nós para prosseguirmos viagem. Percebemos que a existência de uma taxa de passagem de veículos seja normal, até porque em Portugal também se faz o mesmo, nomeadamente no Parque Natural da Peneda-Gerês. O que não estávamos a aceitar era o pagamento por pessoa na viatura. Depois de perguntarmos se este pagamento também existia para as pessoas que passavam a pé, só nos deu vontade de voltar uns metros atrás e um de nós passar a pé.

Insistimos que não tínhamos dinheiro e deixamos em aberto a possibilidade de trocar esse pagamento por umas "prendinhas". Entretanto tinha chegado o chefe dos dois militares. 15 minutos depois estávamos de novo a rolar e as prendas foram distribuídas desta forma e com esta descrição: "Para ti - o primeiro militar - tenho umas caneleiras de futebol, experimenta para ver se te servem"; "para ti tenho uns headphones e uns rebuçados" - segundo militar; "para o chefe tenho uma prenda especial" - pegando numa calculadora com um bloco de notas acoplado - "serve para fazeres contas do dinheiro que vais cobrando aos estrangeiros, e deste lado escreves desta foma...franceses 3000 Ogya, ingleses 3000 Ogya, espanhóis 3000 Ogya...portugueses não pagam nada!" (risos, muitos risos). O homem achou graça e deixou-nos seguir sem pagar nada. Para trás ficou um militar fardado já com as caneleiras nas pernas, mesmo por cima da farda, um outro que devorou todos os rebuçados, e o chefe, a deslumbrar a seu novo brinquedo. Nós passámos sem gastar dinheiro e com a moral reforçada.

Entretanto a estrada estava um pouco melhor, pelo menos a terra estava mais dura e mais plana. Aos 93km estávamos finalmente na fronteira. Com tudo normal nos carimbos da alfândega e polícia, seguimos até ao posto fronteiriço do Senegal, onde avistámos a tão desejada Barragem de Diama.



Uma cancela fechada, que um homem nos abriu com o pagamento de 7€ (achamos um absurdo esse pagamento, mas queríamos mesmo entrar rapidamente no Senegal).

Tínhamos a lição estudada para esta fronteira. Sabíamos que nunca seria fácil passar sem novos subornos, novos esquemas. Sabíamos que nunca nos iriam facilitar a entrada, pois no Senegal os carros com mais de cinco anos estão proibidos de entrar e circular.

No parque da Fronteira vimos carros alemães, franceses e, por incrível que pareça, muitos carros portugueses (grande parte Peugeot 504 e 505).

Após cinco horas de negociação, muito jogo de cintura, umas prendinhas e muita paciência entramos finalmente no Senegal.



Com o pass-avant (documento que nos permitiu seguir viagem com o nosso carro), e sem o guia para nos levar até à fronteira com a Guiné-Bissau, sabíamos que os riscos de circular num único carro e sendo apenas duas pessoas, eram muitos. Um amigo do Porto que já fez esta viagem nove vezes, falou connosco pelo telefone e avisou-nos que nas saídas das cidades havia sempre polícia, sempre pronta a roubar, literalmente, os documentos até que lhes déssemos dinheiro. Explicou que o melhor seria seguir atrás de camiões para estarmos, de certa forma, camuflados.

Passamos St. Louis num ápice, uma cidade confusa, com gente por todo lado, muito comércio e um estilo de vida que muito se assemelha a Marrocos, pois tudo se vende. O cair do Sol impediu-nos de ver muito para além da estrada, mas sabíamos que St. Louis se encontrava rodeado por água, quer do Rio Senegal, quer pelo Atlântico. Avistámos as barreiras policiais de que nos falaram e passámos sem problemas de maior. Tínhamos, entretanto, tomado a decisão de não ir a Dakar - conselho de um polícia que nos disse que pelo interior as paragens policiais seriam mais fáceis...grande conselho! E seguimos por Louga, Touba e Kaolack.

Queríamos conduzir, pelo menos até Tambacounda. De lá até Ziguinchor, cidade no Sul do Senegal onde se encontrava o Consulado da Guiné-Bissau, seriam uns 350kms. Essa distância seria facilmente ultrapassada em quatro ou cinco horas.

Já de madrugada, com 500km percorridos e muitas "prendas" oferecidas aos polícias senegaleses, decidimos parar para dormir. Mas finalmente sentimos o que até agora nunca tínhamos sentido: medo. 4000kms depois de termos saído de casa, estávamos exaustos e sem sítio seguro para parar a chaimite. Quando se entra num país que não se conhece e se sente medo das autoridades, descrever o sentimento de parar o carro no meio do mato...simplesmente não dá para explicar.

Cinco da manhã, 40 graus, fechados num carro atrás do mato, mosquitos por todo lado. O cansaço acabou por vencer o medo e dormimos umas quatro horas, sentados como sempre, mas desta vez sem as toalhas a tapar os vidros, não fosse o diabo tecê-las e termos de arrancar a qualquer momento (deixámos o carro com a frente para a estrada).

O primeiro dia do Senegal foi muito duro. Estávamos a tentar não ceder.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Dulombi 2012

Após os resultados gratificantes da primeira viagem a Dulombi, estamos a preparar o regresso à Guiné-Bissau. Com um levantamento de necessidades feito, pretendemos regressar para dar cumprimento a novos objectivos, nomeadamente:

1. Equipar o hospital de Galomaro;

2. Desenvolver uma instalação eléctrica para as aldeias de Galomaro e Dulombi;

3. Equipar as escolas de Galomaro e Dulombi.

A partir de hoje vamos começar a recolher brinquedos, jogos didáticos e material escolar, com particular incidência em cadernos, material de escrita e de desenho, mochilas, réguas, calculadoras, giz. apagadores, dicionários e globos terrestres.

Brevemente anunciaremos os locais de depósito dos materiais.

sábado, 20 de novembro de 2010

Mauritânia: nem tudo é falso em relação a África (Parte II)

Domingo, 10 de Outubro de 2010

Sabíamos, se o GPS não estivesse enganado, que nos faltavam cerca de 200Km para entrar no Senegal. Estimamos chegar lá em 2h30, até porque sem grandes paragens, não baixaríamos a nossa média de 80 Km/h.



Mal saímos de Noakchott, voltou a calma no que ao trânsito diz respeito. Por outro lado, a estrada piorou muito. Parecia um outro país. Alternávamos 10 Km muito bons com 30 Km de estradas com muitos buracos. Para além dos buracos, a estrada estava reduzida em um metro em cada um dos seus lados. Os camiões vão destruindo a estrada pelo lado direito, e era possível ver pedaços de alcatrão desfeitos. 



Voltamos a ver muitos carros com todo o tipo de avarias. Redobramos a atenção e isso fez com que a tarde passasse muito depressa..

Rosso, fronteira com fama de causar muitos calafrios a quem por ela quer entrar no Senegal, tinha o seu último ferry às 18h, depois disso, 9h da manhã do dia seguinte.

Começamos a perguntar, em todas as paragens policiais, se a nossa chaimite passava pela Barragem de Diama. Esta Barragem é a outra travessia possível do Rio Senegal, e os militares lá nos foram dizendo que com o nosso carro seria impossível chegar até esse ponto. Também nos disseram que a fronteira da Mauritânia fecha às 18h. Não restou outra alternativa que não seguir para Rosso e esperar que os relatos de roubos e manobras estranhas para extorquir dinheiro a estrangeiros não passassem de boatos.

A 30 minutos da partida do ferry estávamos a 15 Km, ponto do último pedido de documentos. Entramos em Rosso e sem querer estávamos a 100 metros da porta do Porto. Um militar, que até estava distraído a conversar, quando se apercebe da nossa presença, manda-nos parar o carro e diz mais ou menos isto: "Este carro não pode circular com essa carga no tejadilho". Sem demoras respondemos que tínhamos entrado na Mauritânia no dia anterior e que em todas as paragens - mais de 20 - ninguém tinha apontado a carga como algo ilegal. O militar queria 20€ para a multa, ao que respondemos (mais uma vez) que não tínhamos dinheiro. Como insistimos em não pagar, chamou um sujeito a quem entregou todos os nossos documentos e a quem ordenou que nos tratasse de tudo e que, supostamente, com este homem tudo seria fácil para passar para o Senegal.

Pois bem, tudo correu mal. Seguro, alfândega, passaportes carimbados, bilhetes para o ferry. Ainda não tínhamos pago nada e já estávamos na fila para entrar no barco. Entraram dois camiões e um carro com duas mulheres franceses e aí percebemos que as coisas só iriam piorar. Com a época das chuvas ainda em curso, o Rio Senegal está tão cheio que a rampa do ferry está pousada dentro de água, o que obriga os carros a entrarem no barco com água a meio das portas. Estávamos com algum receio, mas teríamos de tentar. Um guarda exerce alguma pressão para que entrássemos no barco. Cedemos à pressão do homem e quando estávamos com as quatro rodas dentro de água ouvimos um estrondo por baixo do carro. Pior que isso, ao ficarmos parados, entrou água pelo filtro de ar e o carro nunca mais ligou. Pessoas gritavam porque estávamos a impedir a passagem dos restantes carros, outros gritavam porque...bem, nem sabemos o motivo. Estávamos nervosos e com receio de que as coisas ainda pudessem piorar. E pioraram.

Tiramos o carro da água, ajudados por mais de 30 pessoas. O carro não pegava mesmo. Em pouco tempo estava lá um mecânico e as mesmas 30 pessoas que naquele momento davam todo o tipo de palpites: "Este carro morreu; o problema é no motor; tem água no filtro; nunca mais tiras daqui o carro; queres vender o carro?!!".

Levamos a pobre chaimite a empurrão até à oficina do mecânico. Basicamente não havia oficina nenhuma e tudo se arranja em plena rua. Lá, todos os que ajudaram a empurrar o carro nos pediam dinheiro pela ajuda. Encontramos uma peça que servia no nosso carro, mas ia custar-nos 500€. Depois de muita negociata ficou por 300.

30 minutos depois, o carro, como que por milagre, ligou-se, libertou toda a água e apesar do fumo branco, estava pronto a seguir. Problema seguinte: pagar ao mecânico, tentar afastar toda a gente que insistia num "cadeux" - uma prenda.

O mecânico queria 100€ por secar o filtro e mudar uma guia da direcção, demos 30. O irmão do mecânico queria o rádio que juntei aos 30€. E lá ficou com o rádio. Aos outros 30 homens, prometemos que voltávamos na manhã seguinte e que depois de abrir as caixas tínhamos coisas para todos.

Faltava um pequeno grande pormenor: onde estava homem com  os nossos documentos? Com todo aquele stress, ficou por resolver a questão de toda a artimanha de entrada no barco. Traoré, o Maliano que faz vida em Rosso estava, como sempre esteve, sereno e à espera de ser pago. (GIL) Pedi os documentos e disse-lhe que ia voltar a Portugal, porque se por Diama nos tinham dito que o carro não passava, voltar a arriscar e entrar no barco com água pelas portas não seria muito inteligente. O homem responde: "Tudo bem. Só tens de me pagar pelo meu trabalho, caso contrário não te posso ajudar a recuperar os documentos que ficaram no Porto, aquando da saída do carro". Queria 150€ por uma coisa que tinha custado 30. Discuti, gritei com ele e disse-lhe que se fosse na Europa ele estaria em maus lençóis. Só me falou mais uma vez, enquanto me acompanhava até ao Porto, e disse "Isto é África, branco de M****". Reinou o silêncio na caminhada de 5 minutos.

Resolvi acalmar-me, deixei-lhe a última nota de 50€ que tinha, dei ainda 20 mil Ogya, cerca de 30€, e ele aceitou.

De volta ao Porto, o chefe da fronteira tinha ido embora, pois já passava das 20h. Insisti e deram-me o número de telemóvel do homem. No melhor francês que algum francês um dia falou, convenci o homem a voltar. Já sem farda e no seu MB 190D, carimbou de novo os passaportes e desejou boa sorte no regresso a Portugal.
Saímos daquele TEXAS e no primeiro Hotel paramos. O carro estava seguro, nós também. Comemos salsichas e atum com as últimas fatias de pão de forma. Tínhamos água e Ice-T. Começamos, finalmente, a falar sobre o que tinha acontecido e sobre o que faríamos a seguir. Decisão: voltar a Portugal. Seguramente, o carro não estaria em condições para continuar mas, a bem da verdade, também não estaria para regressar.

Uns 30 telefonemas depois, os nossos familiares e amigos demoveram-nos, ajudaram no reestabelecer da conta bancária e deram-nos a força que, num ápice, desaparecera.



Adormecemos com a TV ligada  - Kill Bill em árabe - depois de um merecido banho.

Nota: Devido a todos os problemas, o tempo e a vontade de fazer fotografias foram nulos.

domingo, 14 de novembro de 2010

Mauritânia: mente-se muito em relação a África (Parte I)

Sábado, 9 de Outubro de 2010

Ouvimos o despertador às 5h da manhã, mas só conseguimos levantar às 5h30. O nosso ritmo de viagem estava a ser muito bom, mas os corpos começam a sentir os quilómetros. O Ali, dono do Camping, acordou para nos abrir o portão, despediu-se, desejou boa sorte e pediu que recomendássemos o Camping. Pois bem, está mais que recomendado.

Temos mais 660 Km até à fronteira com o Senegal e lá temos de chegar antes das 18h - hora em que encerram a maior parte das fronteiras por estas paragens. Se ontem conseguimos ver a cidade de Nouadhibou, hoje estamos a conduzir com um nevoeiro tão cerrado, que nem nos apercebemos bem dos desvios que fizemos no dia anterior. Sabemos é que até voltar à N2 (estrada que atravessa a Mauritânia pela costa), vamos ter mais duas paragens para mostrar passaportes.

Por volta das 7h30, o nevoeiro começa a dissipar, sinal que nos estávamos a afastar do mar, aparece-nos o Sol. Pois bem, o nascer do Sol no deserto é uma visão incrível. Trópico de Câncer ultrapassado há muitos quilómetros, estamos mais perto do Sol do que alguma vez estivéramos e este aparece na forma de uma bola de fogo enorme. Paramos uns instantes para fotografar o momento e continuamos a desbravar a estrada

A 200 Km de Noakchott estávamos ainda a pensar na história da espanhola que conhecemos no dia anterior: "este país é muito perigoso; todos os polícias vos vão causar problemas; cuidado com os roubos e raptos; este país é uma m****....".  Este país revelou-se fácil nas paragens policiais, onde só entregamos fotocópias do passaporte e respondemos às perguntas da praxe, feitas a turistas. A espanhola mentiu muito ou então as histórias de África vão mudando de personagem para personagem, facto que nos deixou mais confortáveis para o resto da viagem. Claro que é um país que queremos atravessar rapidamente, até porque não temos visto muitos sítios que se pareçam com um alojamento ou oficina, apenas, areia, areia, areia...



Quanto às estradas da Mauritânia, estas revelam-se muito boas, apesar das habituais rasteiras que nos vai tentando fazer. Há bocados de estrada encobertas por areia que se vai acumulando nas dunas, situação que os camiões limpa-areia vão resolvendo (imaginem um limpa-neves, mas com outras funções). Mesmo assim, o alcatrão que vai sendo derretido pelas altas temperaturas do dia e congelado pelas temperaturas muito baixas da noite, apresenta fracturas que mais parecem facas apontadas aos pneus da nossa chaimite. Numa dessas zonas de estrada, passamos a uns razoáveis 80Km/h. Pensamos o pior, mas os pneus sobreviveram. Estamos a andar a um bom ritmo, mas ainda faltam 300 Km de deserto até chegarmos ao Senegal e se alguma coisa avariar...


 
13h - A 20 Km de Noakchott vimos duas crianças a brincar com pedaços de madeira. Decidimos parar para dar alguns rebuçados. Aproximaram-se em segundos, uma delas grita e num ápice aparecem mais 30. O Ricardo olhou pelo espelho e viu um verdadeiro batalhão  a correr e a gritar. Sem sabermos muito bem o que fazer, arrancamos deixando pela janela mais umas mãos cheias de rebuçados. Mal olhamos em frente, deparamos com mais um controle policial, olhamos para trás e o batalhão continuava a perseguição. Situação nova.

Entramos em Noakchott. Há coisas muito bonitas em África, mas a capital da Mauritânia não é sítio para se estar durante muito tempo. Se esperávamos o caos? Sim, mas o que vimos ultrapassa tudo: lixo por toda a parte; cabras, porcos, burros, vacas que também se alimentam desse lixo; carros que se amontoam, buzinam e batem uns nos outros, na tentativa de circularem mais depressa. A nossa chaimite não é o melhor carro para ultrapassar os buracos enormes que entopem os cruzamentos. Para piorar a situação, não existe uma única placa, sinal de trânsito ou indicação de como sair da cidade.



Uns três ou quatro enganos e inversões de marcha depois, lá conseguimos encontrar de novo a N2. Perdemos 1h em Noakchott, faltam 220 Kms para a fronteira e a vontade de continuar faz o Ricardo querer conduzir mais uma horas. Prosseguimos.

sábado, 13 de novembro de 2010

De Dakhla a Nouadhibou: pela 'terra de ninguém'

Sexta-feira, 8 de Outubro de 2010

Acordamos já o Sol estava lá no alto. Foi a primeira noite desta viagem em que pudemos dormir deitados. Deu para sentir como é bom esticar o corpo.

Arrumadas as coisas, e que trabalheira deu para voltar a colocar a tenda de volta ao saco (é uma daquelas tendas que está pronta a utilizar em 5 segundos, só que nas instruções, esquecem-se de dizer que é preciso uma eternidade para voltar à posição original). Aparece-nos o dono do Camping a oferecer chá. Amavelmente recusamos, pois o Ricardo já tinha feito café.



Perguntou se tínhamos coisas para vender. Demos-lhe canetas e uns sapatos e o homem recusou que pagássemos a estadia. Tentamos que aceitasse o nosso dinheiro, mas este preferiu que lhe prometêssemos que quando lá voltássemos lhe levaríamos sapatos.

Paramos na primeira bomba de gasolina, mesmo à saída de Dakhla. No deserto a gasolina tem preços que roçam o ridículo: nas bombas é muito barata, pelo caminho, dezenas de pessoas vendem bidões de 20l a preços superiores aos tubarões gasolineiros de Portugal. Mesmo com uma boa reserva na mala do carro, fomos atestando o depósito sempre que possível.

Tantas vezes atestamos que o ponteiro do gasóleo avariou e ficou na posição de cheio. A partir deste momento, só sabíamos que gasóleo tínhamos pela quantidade de quilómetros que percorremos, isto se as nossas previsões estivessem correctas: 8,2 l/100 Km.

À saída de Dakhla deparamos com uma paisagem inacreditável. Na noite anterior a escuridão imperava, um cenário digno de livros com as paisagens mais bonitas do planeta. Uma areia branca como cal e água, muita água. Mesmo passando a correr, contemplamos a beleza desta língua de terra. Como em todas as paisagens anteriores, o tempo para parar e fazer imagens é muito escasso. O Objectivo final está a mais de 2000 Km e, provavelmente, no regresso teremos tempo para estas paisagens.
O deserto continua implacável para os carros que nos ultrapassam. Vimos muitos carros a passaram por nós, a uma velocidade pouco aconselhada e mais tarde lá os víamos encostados à berma com todo o tipo de avarias.



Por volta das 13h estávamos na fronteira do Sahara Ocidental com a Mauritânia. Um primeiro guarda pede-nos os passaportes e sem perder muito tempo, explica-nos que uma mulher espanhola precisava de ajuda para atravessar os 4km de terra sem dono que separam os dois países. Entre toda a burocracia que nos é imposta para poder sair do país, passaram quase 2h30. Nesse tempo, a mulher espanhola, supostamente, médica em Barcelona, conta-nos mil filmes, incluindo o filme da vida dela. Começamos a perceber que a mentira é um hábito em África, mesmo contada por aqueles que por aqui andam de passagem, em negócios ou simplesmente a fugir de alguma coisa ou de alguém. A mulher reclamava do tempo de espera, e foi mesmo à janela do edifício da alfândega marroquina perguntar se o guarda tinha ido rezar (realmente o homem tinha desaparecido, mas não víamos motivo para a chacota da espanhola). Depois de nos convencer a seguirmos na sua frente na "terra de ninguém" - bocado de terra minado, sem estrada, luz ou sinalização, resultado de anos de disputa entre Marrocos e a Mauritânia - começou a ter uma conversa que trouxe ao de cima a sua verdadeira personalidade: mentirosa.

Arranjou um guia para a levar pela Mauritânia, evitando, segundo ela, as paragens policiais da viagem; disse-nos que o marido a esperava do outro lado da fronteira, pois o passaporte dele não o permitia vir a Marrocos buscá-la; mostrou-nos o passaporte com dezenas de carimbos, para justificar que conhece toda a África e que a Mauritânia é um país de criminosos e que devíamos seguir com ela, ajudando a pagar o guia, e assim sair daquele país o mais depressa possível.

3h depois de termos chegado à fronteira, abre-se uma cancela e a visão de carros destruídos, lixo e pessoas a vaguear, fez daquele troço de 4Km um dos mais tensos da viagem. Sabíamos da existência das minas e também sabíamos que se alguma coisa acontecesse naquele bocado de terra, nenhum país se responsabilizaria, pois não pertence a ninguém. Um homem fez paragem ao Opel Kadett da espanhola, como ela não parou, deu um pontapé na porta. Nós seguíamos atrás e passamos bem por esse homem.



O mais caricato acontece à chegada à fronteira da Mauritânia. A mulher espanhola tinha o marido à espera, o guia também lá estava. Mal entramos pela porta do país, a mulher vem apressada ter connosco. perguntou se trazíamos álcool ou anti-depressivos (tudo proibido na Mauritânia). Respondi que tinha uma garrafa de Whisky, mas que nem sabia onde estava. Ela mais nervosa do que nós, disse que tínhamos de destruir a garrafa, pois se os guardas fronteiriços a encontrassem, íamos presos e por muito tempo. Ficamos nervosos.
A espanhola - que  não nos conseguiu convencer a dividir a despesa do guia - disse que não podia esperar por nós, pois estava a ficar muito tarde.

Abrimos a mala e mostramos documentos aos guardas (militares enormes). Depois de 5 minutos a revistar o carro, com umas ofertas pelo meio, estava tudo OK e pronto a seguir viagem, faltava apenas fazer o seguro, pois nenhuma companhia de seguros em Portugal contempla este país. Passaram 5 horas entre as duas fronteiras, faltavam duas para escurecer.

Na preparação desta viagem, lemos e ouvimos pessoas que falavam da Mauritânia como um país a evitar. Fala-se de raptos e roubos, o que nos fez pensar que o melhor seria parar na primeira cidade - Nouadhibou - e seguir viagem com o nascer do Sol.

Fizemos os 35 Km que separam a fronteira desta cidade. Duas paragens policiais, não muito diferentes das verificadas no Reino de Marrocos e encontramos o Camping do senhor Ali, sugerido por um dos guardas.

Chegados à cidade, notamos que todos os carros buzinavam. De repente até parecia que estavam a seguir-nos, pois a cada 20 segundos, um MB 190D passava por nós. Não foi preciso muito tempo para perceber que todos os carros eram Mercedes, táxis sem identificação, e que buzinavam para tentar atrair clientes.

A cidade é frenética, mas tem um grande defeito: cheira a peixe podre. Entre os chamamentos da mesquita, e os buzinões, a calmaria do camping sabia a mel.

O camping é melhor do que estávamos à espera. Não necessitamos de tenda. pois tem quartos, tem cozinha, WC e parque seguro para o carro. Depois de jantar (uma massa com tudo à mistura), oferecemos alguns brinquedos aos filhos do Ali, bebemos um trago de Whisky (sinal de que nos iríamos despedir da garrafa), fomos a um cybercafé enviar mais fotos, banho tomado e dormimos.


sábado, 6 de novembro de 2010

De Tan-Tan a Dakhla: à conquista do deserto, com o mar no horizonte.

Quinta-feira, 7 de Outubro de 2010

Já eram quase 10h da manhã quando o Ricardo acordou. Estava um homem a pedir-lhe boleia e tentamos explicar que o nosso carro só tinha dois lugares e que não poderíamos dar-lhe transporte. O homem só falava árabe, o Ricardo só falava português. Em 10 minutos lavamos a cara, os dentes e comemos umas bolachas. O homem conseguiu boleia com um camião e nós seguimos viagem.

A 190km de Tarfaya temos sempre o mar como companhia pelo nosso lado direito e uma vasta terra amarela com vegetação baixa e muitas pedras do nosso lado esquerdo. Chegamos a Tarfaya por volta do meio-dia. Foi a última cidade antes da entrada  no Sahara Ocidental.  Atestamos o depósito com o gasóleo mais barato que algum dia vimos (0,47€/L). Em Tarfaya, e fica aqui o conselho para todos os que queiram fazer uma viagem por estas paragens, tem multibanco, pequenos hotéis, lojas e oficinas, não falta nada. Encontramos um cybercafé de onde enviamos as primeiras fotografias. Seguimos para El Aaiun: 110 km de areia e muitos dromedários. Temos de reconhecer que foi uma excitação ver estes animais tão bonitos e corpulentos no seu habitat natural. Atravessam a estrada como se de mais um bocado de areia se tratasse e nós só temos mesmo de estar atentos. A buzina da chaimite tem trabalhado muito, para não haver problemas com os animais.



Tínhamos sido alertados para o forte dispositivo militar nas proximidades da "fronteira", quer na saída de Marrocos, quer na entrada do Sahara Ocidental. Dito e feito! Até El Aaiun foram três paragens, paragens estas que continuaram até Bojador. Numa destas paragens, esquecemo-nos de desligar a nossa "action camera" - GoPro HD - e o guarda, meio em árabe, meio em francês, viu e perguntou se era uma câmara, respondemos que sim, mas fazia parte do GPS. Explicamos que quando o GPS não reconhecia a estrada, a câmara filmava e passava a informação para o Garmin que o Carlos nos emprestara. Acreditou? Sim e ficou impressionado com as tecnologias que aquela chaimite apresentava! Sorte em continuar viagem com a GoPro? Muita!!!

Com El Aaiun pelas costas, precisávamos de carregar a bateria do telemóvel. O carregador estava na mala do carro e, por isso, decidimos parar na berma da estrada. Mal pusemos as rodas do lado direito fora da estrada, ficamos automaticamente presos na areia! O Ricardo bem se esforçou para tirar de lá o carro mas a situação era cada vez pior. Quando nos preparávamos para começar a escavar, eis que surge um jipe com dois amigos dispostos a ajudar-nos. Estávamos felizes! Íamos usar as cintas de reboque pela primeira vez! (Obrigado Sise!)

Atadas as duas extremidades da cinta, o nosso novo amigo, de nome Hamid, começou a rebocar a chaimite, na tentativa de a desatolar. Com o carro já no alcatrão, o homem continuou a acelerar, pois achava que o carro continuava preso na areia. Claro que sentia o carro preso...o Ricardo já tinha visto que estava no alcatrão e tinha o pé no travão! Arrastou a nossa pobre viatura uns bons 50m pelo alcatrão. Eu, que estava de fora, e o Younés, amigo do condutor do jipe, começamos a gritar para que o homem parasse! E este parou. Refeitos do susto, tiramos fotografias com os nossos amigos. Disseram-nos que se voltássemos a El Aaiun, nos ofereciam casa e comida. Agradecemos e seguimos viagem.



Passamos o Cabo Bojador por volta das 18h e aí teve início uma das etapas mais difíceis, no que à estrada diz respeito. Foram aproximadamente 200km de estradas muito estreitas, pelo meio de montanhas. Os camiões, que são todos Mitsubishi, andam sempre com os faróis no máximo e, por mais que o Ricardo os castigasse da mesma forma, estes recusavam-se a baixar para os médios. Resultado: uma viagem muito cansativa para os olhos já muito cansados do Ricardo.O cruzamento com os carros foi penoso e o stress acumulado fazia prever coisas menos boas nesta muito perigosa estrada.



O acesso a Dakhla assinala o fim destas montanhas. Uma rotunda assinala as duas únicas direcções possíveis: Dakhla para a direita a 40km, fronteira com a Mauritânia para a esquerda a 330km. Seguimos pela direita à procura de um Camping.

A 15km do destino de descanso, mais uma operação policial. Paramos no Stop como em todas as anteriores. Desta vez o guarda estava tão longe que nem o conseguíamos ver. Como de costume, esperamos que nos fizessem sinal com a lanterna, para podermos avançar. O sinal pareceu surgiu e avançamos. Quando chegamos ao pé do guarda ele disse boa noite, fez continência e perguntou se não sabíamos que tínhamos de esperar pelo sinal dele. Dissemos que tínhamos visto o sinal. Ele disse que não e porque não paramos no STOP tínhamos de pagar uma multa de 700 Dirham (68€). Logo respondemos que não tínhamos tanto dinheiro. O homem cheio de pena disse: "No dia 1 de Outubro (6 dias antes) a lei mudou. Até essa altura a multa seriam apenas 40 Dirham". Pedimos desculpa, dissemos que era a primeira vez que estávamos naquela zona do planeta e que teríamos cuidado para não repetir o erro. O homem queria mesmo o dinheiro da multa. O Gil no seu francês primitivo disse que o dinheiro não abundava mas que podíamos compensá-lo com uma t-shirt de um clube de futebol. Demos um equipamento completo de um clube qualquer. Siga viagem!
Encontramos o Camping logo à entrada da cidade. Parecia seguro, apesar de só lá estarmos nós. Parecia limpo. Decidimos ficar. Preço por pessoa 3€. Banho (pago à parte) 1€. Só pagamos o banho, o resto ficaria para a manhã seguinte.



O Ricardo decidiu fazer uma sopa, enquanto eu montava a tenda. A sopa soube muito bem, mas não encontramos a tampa do colchão de ar e dormimos no duro cimento que servia de base à tenda. Céu estrelado como nunca vimos. Tenda fechada. Boa noite.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Para Tan-Tan é o caminho!

Quarta-feira, 6 de Outubro de 2010

Dormimos 4h no carro. No dia anterior o Ricardo conduziu 22h. Tínhamos estacionado o carro numa estação de serviço da marca AFRIQUIA e quando acordamos estava um dos funcionários a olhar para o carro e a sorrir. Parecia surpreendido com a presença da chaimite.

Até Rabat, local de passagem obrigatória para assegurar os vistos para a Mauritânia, faltavam percorrer 10 km. Só que Rabat é uma cidade com um trânsito infernal: pessoas que atravessam as ruas em qualquer lado, milhares de motinhas a pedais, carros e, o pior de tudo, obras.

Saímos de Portugal com a morada da Embaixada da Mauritânia, mas por incrível que pareça, não aparecia no mapa, nem no GPS. No entanto, parece que qualquer pessoa em Rabat sabe onde fica. Basta perguntar que as indicações começam logo a surgir, mesmo que a maior parte delas sejam bastante imprecisas.

10h e já estávamos a preencher o formulário de pedido de visto. Dei um porta-chaves de Portugal a um homem que, supostamente, dá informações de como fazer as coisas rapidamente. Não me pediu nada, mas foi tão útil que decidi dar-lhe uma prendinha.

Na Embaixada disseram-nos para voltar às 14h. Tínhamos uma espera de 4h pela frente, mas o stress de ter o visto na mão e seguir viagem, não nos deixou com grande vontade de explorar a cidade. Nas redondezas fomos a um café, onde bebemos uma coca-cola. Tiramos algumas fotos e voltamos para perto do carro, pois achamos que abandonar o carro não era boa ideia.


14h15

Saímos da embaixada e começamos a procurar o acesso à A2 (auto-estrada). Tinhamos percorrido 1400Km desde Vila do Conde, mas com os vistos na mão estavamos com vontade de fazer outros tantos.

Entrando na auto-estrada, sabíamos que até Agadir não havia grandes stresses, evitam-se animais na estrada, buracos, trânsito e o mais importante: a polícia marroquina. Os agentes da polícia são muito simpáticos para com os turistas, mas são implacáveis na caça à multa.

Deixamos para trás Casablanca, Marrakech, aproximava-se Agadir e com ela o final da A2. Às 21h estavamos a passar a última portagem. Queriamos conduzir mais umas horas. Se possível, ficar perto do Sahara Ocidental. Saímos da zona de Agadir às 22h e chegamos a Tan-Tan às 3h da manhã, percorrendo os quase 400 km que separam estas duas cidades. Pelo meio, Tiznit e Guelmin, pareceram-nos cidades interessantes, mas para quem quer comer kms, são só mais dois amontoados de casas, luzes e pessoas.

Apareceu-nos pela frente um descampado, onde estavam parados alguns camiões e até umas tendas. Tapadas as janelas com toalhas, dormimos.


Primeiro [longo] dia: Vila do Conde - Kenitra, Marrocos

Terça-feira, 5 de Outubro de 2010

Saímos às 3h da Rua da Baixa. Saímos com 6h de atraso. Mas vamos por partes.

Acordamos cedo na manhã do dia 4 de Outubro (segunda-feira), quer dizer, o Ricardo acordou cedo e passou em minha casa para ver o que andava a fazer. Não me lembro o que me disse.

Cada um de nós tem uma vida para rolar para a frente, mas eu não consegui ajudar o Ricardo a equipar o carro.

A Mariana, a Vera, a Celina e o Hugo deram uma preciosa ajuda na organização do que faltava tratar: documentos, fotocópias, a merendinha para os dois primeiros dias, as baterias para o microfone e o arsenal de medicamentos que trouxemos. Não deu mesmo para sair às 21h como previsto.

Antes do arranque decisivo, fomos tirar uma foto com o Gustavo (Subway Vila do Conde) e com o nosso casal amigo do T Caffé, Adelaide e Manel. Despedidas e…siga!

Arrancamos em direcção ao Porto, o primeiro ponto de passagem do nosso GPS (obrigado Carlos – Set Azurara e Azurara Beach Party). O carro vem tão carregado que, na primeira subida, liga-se uma luz no painel de comandos: o medidor de massa de ar que mandamos arranjar, estava de novo a dar problemas. Preocupação com essa luz? Resposta do Ricardo: “É aquela peça que não quisemos comprar, porque só influencia na força do carro”. Pois é, metade do caminho é a descer, de certeza que a outra metade será a subir. Diz o Ricardo: “Depois vê-se, mas se calhar devíamos comprar essa peça...”.


4h30 – Figueira da Foz

Fizemos 20 Km às voltas na Figueira. O GPS estava certo, a teimosia do Homem é que costuma dar asneira. Para quem vai a caminho de África, com 12 mil km de viagem na sua totalidade, perder-se na Figueira da Foz não augura nada de positivo, quer para o tempo de viagem, quer para o depósito de combustível. Prosseguimos pelas nacionais e desviamos para o interior, queríamos evitar o Algarve. O nosso carro deve estar tão ilegal em relação ao peso e espaço de carga, que o ideal é fugir dos grandes centros.


11h – Beja

Paramos para lavar a cara e os dentes. Paramos no Continente para comprar um cartão de memória para a câmara, e trouxemos ainda acendalhas e uma grelha para assar. Fizemos alguns telefonemas e estávamos a preparar-nos para sair de Portugal em direcção a Huelva (Espanha). Fizemos 610 Km e atestamos o depósito de novo.




13h-19h – Espanha

Sempre pelas nacionais, fomos desbravando caminho até Tarifa, mas ainda faltam quase 500Km.
Passamos Huelva e Sevilha, onde o transito estava um caos. Estávamos a perder muito tempo. Pensamos que já não íamos apanhar o Ferry para Tanger, até descobrirmos que o último partia às 21h. Estávamos seguros.

Compramos o bilhete de ida-e-volta. Fica mais barato e pode ser utilizado durante um ano, ou seja, não precisamos de marcar o regresso e ficar com medo de o perder no caminho inverso. Pagamos 300€ pela Chaimite e pelos nossos bilhetes.

19h30 e já estávamos dentro do Ferry. Preenchemos o formulário de entrada em Marrocos e fomos para o convés do navio para apanhar um pouco de ar e tirar umas fotos.

O barco partiu às 20h em ponto. Não demorou muito até o homem que nos deu o documento com o código de ingresso, nos aparecer à frente. Tinha-me esquecido do nosso dossier da viagem. Este dossier vale ouro: mapas, informações úteis, e documentos de outros viajantes por África. Tivemos sorte em ter o livro de volta.

A viagem entre Tarifa e Tanger, dura cerca de 40 minutos, que pareciam uma eternidade, para quem via o Sol a desaparecer para dar lugar à Lua. Chegar de noite a Marrocos não estava planeado, muito menos preparado.




20h45 – Tânger, Marrocos.

Estávamos avisados que na fronteira poderiam complicar-nos um pouco a vida. Sabíamos que se colocássemos uma nota de 10€ no meio de um dos passaportes, tudo iria ser mais fácil: evitava demoras e uma revista ao carro muito detalhada. Mal saímos do barco já era tarde para preparar fosse o que fosse. Fomos logo guiados ao portão que dava acesso a Marrocos, mas quando demos conta éramos o único carro estrangeiro. Nesse momento percebemos que, tão cedo, não iríamos sair dali. Assim foi. Sem uma ordem específica de acontecimentos foi mais ou menos assim: passaportes, número de entrada que nos tinham dado no barco, mil perguntas sobre o destino, primeiro polícia a pedir dinheiro – demos 3€ – seguro do carro, livrete e registo de propriedade, segundo homem a pedir dinheiro – não demos – procuração para poder conduzir o carro – o carro está no nome do pai do Ricardo, faltava selo do notário (claro que faltava, ehehehe) – ida do Ricardo à Polícia, onde afirmaram que ele era Francês e ele disse que não, 3º homem a pedir dinheiro – mudo e sem farda, mas estava ali na Aduana – o Ricardo continua a dizer que não fala Francês nem Inglês porque é Estudante de Ginástica e que, por isso, não precisa de saber línguas, só correr (Serão assim tão cegos que não viram o corpo atlético do Ricardo?), Ricardo de volta ao carro, vistoria da mala, chega o Chefe daquela gente toda, arrogante, a berrar connosco porque para passar em Marrocos com roupa é preciso declarar – claro!! – chega um homem que falava quase português a dizer que se déssemos 10€ não havia problema, a vistoria não corre bem (como não queriam tirar tudo da mala, mandaram-nos para um camião RAIO X para examinar ao detalhe a mala do carro). Frustrados por não terem por onde nos pegar ficaram desta forma: 1º fiscal levou 3€, o que falava português levou 3€, o mudo que estava aos “berros” a incentivar que tirássemos tudo da mala ficou de mãos a abanar, o chefe da polícia e o seu ajudante estavam tão chateados por não poderem pegar mais connosco que nos resolveram roubar, literalmente roubar, duas bonecas que estavam na mala. Saímos e percebemos que não ficaram muito satisfeitos, mas saímos.


22h45 – Centro da Cidade de Tânger

Duas horas de terror no Porto de Tanger, estávamos sem sítio para dormir, não tínhamos jantado e andávamos às voltas pelo trânsito infernal da cidade. A cidade estava acordada e nós cheios de sono. Já percebemos que temos de ser cautelosos a conduzir, há pessoas a atravessar em todo lado, carros que buzinam de e para todas as direcções e, para finalizar, um exército de pequenas scooters a pedais. Decidimos conduzir em direcção a Rabat, onde teríamos de pedir os vistos de entrada na Mauritânia.

No momento em que saímos de Tanger, percebemos o que são os controlos policiais em Marrocos: são muitos! Polícia por todo lado. Tínhamos chegado a acordo que estaríamos particularmente atentos à velocidade e que andaríamos sempre 10km/h a menos que o limite, evitando assim os radares.

As placas de direcções são claras, pois estão em árabe e francês. Às vezes só em Francês, outras vezes só em Árabe. O GPS ganha sempre e tem sempre razão. Perdemo-nos e desperdiçamos 1h e 80 Km. Em 1300 Km, já tínhamos 100 a mais, contanto com os 20 da Figueira da Foz.

Paramos para eu ir buscar água à mala do carro, coloquei umas coisas em cima do tejadilho. Já comigo dentro do carro, o Ricardo arrancou e passados uns 20 segundos, ouvimos um barulho. Lembrei-me nesse momento das coisas que estavam em cima do carro: um saco com cópias de todos os nossos documentos, um tripé e uma camisola. Voou tudo para o chão. Apanhei uns 100 papéis espalhados por uma estrada cheia de camiões e sem luz. O tripé partiu a manivela de altura e tinha acabado de perder o sapato, que deve ter saltado.

O Ricardo é o condutor de serviço e vai fazendo quilómetros, enquanto eu vou passando pelo sono e perdendo coisas para contar: a caminho de Rabat, desvio forçado para não atropelar uma vaca enorme que estava no meio da estrada, camiões que ocupam quase a estrada toda e que não se desviam ou abrandam, cães por todo lado, motas sem luzes, bicicletas com duas e três pessoas...

Quando passávamos Kenitra, pequena cidade a 20 Km de Rabat, decidimos dormir um pouco. Depois de alguns receios em parar o carro, estacionamos numa bomba de gasolina cheia de camiões e dormimos, basicamente, sentados, pois coisa que a nossa Chaimite não tem é espaço.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A viagem em palavras...

A partir de amanhã será publicado, com todo o detalhe, o diário da nossa viagem até Dulombi. 

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Até já!